«É preciso não esquecer que as alterações tecnológicas têm de ser enquadradas politicamente. Se não se tomarem desde já as medidas correctas para enquadrar as novas tecnologias na indução das reformas na sociedade, podem haver perversões na condução do processo». Palavras do presidente do 13.º Congresso das Comunicações, em entrevista ao Centro de Contacto, que reflectem dois conceitos que atravessaram os três dias de debate: cidadania e (info) exclusão.
Centro de Contacto Este ano o Congresso da APDC aliou, à discussão sobre as questões internas do sector, a análise das implicações do desenvolvimento da Sociedade de Informação (SI) em Portugal e dos problemas ligados à Administração Pública e cidadania. De tudo o que ficou dito, o que sai com maior relevância deste congresso?
Vasco Vieira de Almeida Além das discussões próprias do sector, feitas pelos especialistas, o que sai de maior interesse é a projecção, para a sociedade em geral, de novas tecnologias, novos processos e atitudes que vão repercutir-se e ter um impacto extraordinário nos próximos tempos, quer nos cidadãos, quer na estrutura do Estado ou na produtividade e competitividade das empresas. Refiro-me inclusivamente ao exercício do direito de cidadania, pelo menos naquilo que tem a ver com a relação entre cidadãos e o Estado.
CC – Acha que essa mensagem passou para a audiência?
VVA – Julgo que sim e penso que seria interessante que isto fosse o princípio de um debate. Se não se tomarem desde já as medidas correctas para enquadrar as novas tecnologias na indução das reformas na sociedade, pode haver alterações e perversões na condução do processo.
CC – Como as que vimos, por exemplo, o dr. Proença de Carvalho apontar em relação à justiça?
VVA – Exactamente, e o dr. Marçal Grilo em relação à educação. É preciso não esquecer que as alterações tecnológicas têm de ser enquadradas politicamente. A tecnologia não pode dominar a política, tem de ser a política a apropriar-se do que há de melhor na tecnologia.
CC Nesse aspecto, um dos pontos mais focados ao longo do congresso terá sido o de que o Estado tem de ter um papel mais regulador e menos interventivo. Concorda?
VVA – Acho que o nível de intervenção do Estado não pode ser o mesmo em todas as áreas. Por exemplo, no que diz respeito às infra-estruturas, é necessária uma intervenção forte do Estado, porque as regras de mercado não funcionam bem. É o que acontece também nas áreas geográficas menos povoadas: as regras de mercado não podem funcionar para estender a Banda Larga a alguém que esteja isolado no Alentejo, portanto tem de haver aí uma acção de inclusão de toda a gente, de forma a que este processo não leve, pelo contrário, ao aumento da exclusão digital.
CC – A (info)exclusão foi também um tema muito abordado. Nesse campo haverá ainda muita coisa a fazer, atendendo aos índices portugueses de iliteracia, utilização da Internet…
VVA Sem dúvida. O programa para a SI só funcionará se houverem reformas estruturais e políticas correctas que sejam conduzidas ao longo de vários anos, pois um projecto destes não se faz em pouco tempo! Trata-se de uma iniciativa ambiciosa, que requer que um conjunto de condições sejam mantidas.
Não vai ser fácil, mas não temos alternativa. O importante é não o deixar perverter-se, aumentando o fosso entre os cidadãos ou, inclusivamente, criando formas de funcionamento do Estado democrático que possam ser, elas também, perversas.
CC – Sobre as questões internas do sector, não acha que se esperavam, neste Congresso, anúncios mais relevantes, por exemplo, ao nível do UMTS ou da televisão digital?
VVA– Não foram anunciadas grandes novidades em relação a pontos onde já se sabia que haviam dificuldades. O UMTS há-de avançar…
CC – Mas, para já, só em pré-arranque, em Janeiro, com os testes de rede, não é?
VVA – Exactamente. Quanto à televisão terrestre, há interesses completamente diferentes entre empresas como a RTP, que quer readquirir algum equilíbrio na sua gestão e as empresas de publicidade, por exemplo. Há diferentes atitudes, de acordo com a posição dos diferentes operadores, quer num caso (UMTS ) quer no outro (TV Terrestre). Por isso é normal que não tenham sido apresentadas soluções.
No que diz respeito ao funcionamento do sector, penso que o grande problema será saber como vai funcionar a regulação e como se fará a articulação com a Autoridade da Concorrência .
CC – Quais serão as vantagens de passarmos a ter uma entidade reguladora e uma Autoridade da concorrência?
VVA – As autoridades de concorrência, enquanto entidades independentes, são necessárias em sectores vitais, como reguladoras em geral do mercado, para evitar abusos de posições dominantes, que impeçam o livre exercício da concorrência. O problema agora é saber como é que se articula isso com uma entidade reguladora que se considera conceptualmente fácil de separar, mas que na prática pode não ser. Aliás o caso espanhol é exemplo disso, estando a verificar-se conflitos e sobreposições de competências.
Mas este é o modelo adoptado por Portugal (a outra solução seria a concentração num só organismo, que fosse ao mesmo tempo regulador e que aplicasse as regras de concorrência) e é com ele que teremos de viver. Só na prática e através da capacidade de articulação das duas entidades saberemos se o sistema funciona ou não.
Até porque, como nem a lei nem os estatutos da ANACOM ou da Autoridade da Concorrência têm guidelines como os que existem em Inglaterra, e que estabelecem claramente como se faz a divisão (de competências), o resultado vai depender do bom senso e da experiência.
Gabriela Costa
2003-11-20
Centro de Informação-ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA